Nota Histórico-Artistica: |
Meio século depois do início das escavações arqueológicas neste edifício, e na sua área envolvente, não existem ainda suficientes dados que confirmem absolutamente a cronologia e a funcionalidade deste conjunto arquitectónico. A uma primeira fase de catalogação visigotista, relacionada com a ocupação diocesana da cidade de Egitânia, sucederam-se novas pistas de análise e de interpretação, cujos argumentos não foram igualmente aceites por toda a comunidade científica.
Na sequência da queda do Império Romano do Ocidente, os novos poderes peninsulares redefiniram os seus centros administrativos, militares e religiosos. Aparentemente vinculada ao reino suevo, data dos meados do século VI a primeira referência a um bispo egitanense. Partindo dos dados documentais do período dito bárbaro, Fernando de Almeida, o primeiro arqueólogo da Egitânia, desenvolveu as suas teses acerca deste edifício à luz de um ideal estilístico visigótico.
O amplo interior de três naves (a que faltava apenas a cabeceira), a proximidade para com materiais provenientes de basílicas visigóticas (designadamente San Juan de Baños) e a documentação acerca da actividade diocesana egitanense dos séculos VI e VII, levaram este investigador a catalogar o edifício como visigótico, sugestão reforçada, em 1962, com a descoberta do primeiro baptistério.
Em vão Fernando de Almeida tentou identificar a cabeceira. Do lado Sul, o baptistério impedia a existência dessa monumental estrutura e, a Norte, a área de escavação não foi alargada. Tal facto, contudo, não impediu que a interpretação de que se estava perante a antiga Catedral dos Bispos visigóticos da Egitânia, fosse assumida pelo seu autor e constantemente repetida nas décadas seguintes. O primeiro restauro a que o edifício foi sujeito, na década de 50, revela bem essa sujeição a um estilo entendido como visigótico (FERNANDES, 2000).
Foi preciso esperar pelo ano de 1992 para que uma nova teoria fizesse algum eco na historiografia nacional. Nesse ano, Cláudio Torres propôs que o monumental edifício era uma mesquita, construída provavelmente no consulado de Ibn Marwan, um dissidente islâmico que, nos finais do século IX, comandou algumas revoltas contra o emirato de Córdova. Por um lado, a inexistência de uma cabeceira levava a que a orientação espacial do interior pudesse ser outra, diferente da que caracteriza os templos cristãos. Por outro, as analogias estilísticas que o autor encontrou reforçavam uma datação tardia, já pelo século X, dado o mesmo "ar de família" que se sentia em Idanha e em São Pedro de Lourosa.
Esta nova visão significou um enorme passo adiante nas linhas com que se vinha caracterizando a Alta Idade Média em Portugal. No entanto, foram várias as resistências, próprias de uma argumentação que deixava, ainda, grandes questões por responder. A sensação de proximidade estilística para com monumentos asturianos-leoneses, como é o caso de Lourosa, a par de outros dados documentais, levou à manutenção de uma prevalência cristã (REAL, 2000). E a pretensa acção de Ibn Marwan em Idanha-a-Velha não está, ainda, confirmada (FERNANDES, 2001).
Em recentes escavações, José Cristóvão identificou um segundo baptistério (que não tem aparentes relações com o primeiro, nem com o actual edifício), bem como numerosas outras estruturas, que fazem com que o monumento que hoje subsiste possa ser apenas uma parte de um conjunto bem maior (CRISTÓVÃO, 2002). Estes novos dados reforçam a prudência com que alguns autores tem vindo a encarar o edifício nos últimos anos, a ponto de se deixar a pergunta em aberto: se se trata de uma igreja, tem claros elementos de índole islâmica; se, pelo contrário, é uma mesquita, por que foi construída à maneira cristã?
Sujeita a um processo de restauro, segundo projecto de Alexandre Alves Costa, a Mesquita-Catedral de Idanha-a-Velha permanece como um dos mais enigmáticos monumentos da nossa Alta Idade Média e um dos que mais se deve investigar.
PAF
(Info/imagem disponível em https://servicos.dgpc.gov.pt/pesquisapatrimonioimovel/detalhes.php?code=73340) |