Nota Histórico-Artistica: |
𝗜𝗺𝗼́𝘃𝗲𝗹
A casa Avelino Duarte foi projetada e construída entre 1980 e 1985, na Avenida da Régua, via suburbana que liga Ovar ao Furadouro.
O edifício afirma-se no seio de um lote (com 40 por 15 metros), como um impactante prisma branco (com 15 por 8 metros e 3 pisos), opaco e despido de ornamentos, onde, na espessura das suas vastas superfícies brancas, se recortam vãos que, na precisão da sua forma, lhe revelam o propósito de morada.
A implantação da casa no lote é estratégica, de modo a permitir a existência de três jardins com identidade própria. O jardim interior, a tardoz, rivaliza com a própria casa em forma, dimensão e importância, estabelecendo um equilíbrio de interdependência ou, se quisermos, como uma "sala-jardim" para usar e contemplar. O pequeno jardim lateral, a poente, dá sentido e intimidade à cozinha que, assim, se transforma no núcleo fundamental da intimidade familiar. O jardim frontal, por seu turno, ajuda ao distanciamento da casa relativamente à via ruidosa, e dimensiona, pelo equilíbrio, o volume no lote.
A análise do espaço interno permite depreender que a casa se mostra francamente aberta ao nível do rés-do-chão, em virtude dos generosos vãos que deitam aos jardins, e relativamente fechada nos pisos superiores, assumindo uma vivência mais intimista. Esta duplicidade revela uma relação subtil com a envolvente, isto é, franca com o seu microcosmos (o lote enquanto pequeno mundo), sem deixar de se relacionar, embora com parcimónia, com a envolvente, assumindo o seu papel e responsabilidade na construção de um lugar melhor, de um mundo melhor.
Ao nível do interior, a casa organiza-se em redor de um surpreendente e inusitado átrio central que, ao atravessar todos os pisos, organiza todos os núcleos de vivência que gravitam à sua volta, conseguindo-se um notável equilíbrio entre solenidade (sentido de representação) e intimidade (conforto de lar), a que não será alheio o requinte dos materiais aparentes e sua aplicação, nomeadamente os mármores e madeiras exóticas.
𝗛𝗶𝘀𝘁𝗼́𝗿𝗶𝗮
O início da década de oitenta do século XX, quando se concebeu e construiu a casa Avelino Duarte, foi, em termos de arquitetura, um momento complexo e difícil, porque de encruzilhada, pois proliferavam as hipóteses (o "pós-modernismo", a "alta tecnologia" com nuances "brutalistas", o "desconstrutivismo", etc.) mas não, sabemo-lo hoje, os caminhos. Álvaro Siza, ao arrepio de todos, mergulha nas heranças pré-moderna e moderna (Adolf Loos, Josef Hoffmann, Bruno Taut, Hugo Häring, Le Corbusier, Alvar Aalto, etc.) e contamina-as com múltiplas referências, nomeadamente da História, próxima ou longínqua, de cá ou de fora, popular ou erudita. Atende ainda à natureza, às marcas dos lugares, às pessoas (especialmente aos clientes), aos costumes e aos gestos. Sobre tudo isto, em cada obra, dependendo das circunstâncias, predomina esta ou aquela referência, sendo certo que são sempre, ou quase sempre, meras alusões, isto é, interpretação pessoal, fundida com as múltiplas memórias do autor.
Este caminho, difícil e intransmissível, iniciou-se, acreditamos, de algum modo nesta casa e constitui-se como marca de uma arquitetura que continuamente se ajusta num difícil equilíbrio entre construir (tectónica) e esculpir (volume e forma), num improvável jogo de prismas depurados, de superfícies planas e curvas, de arestas vincadas e vãos recortados, que se reinventa em cada nova realização.
Paulo Duarte/DGPC/2017
(Info disponível em https://servicos.dgpc.gov.pt/pesquisapatrimonioimovel/detalhes.php?code=22016769. Imagem captada em abril 2024 @Google) |