Nota Histórico-Artistica: |
Muito embora os estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Mangualde tivessem sido confirmados em 1613, no início do século XVIII esta instituição não dispunha ainda de instalações próprias, vendo-se obrigada a recorrer à igreja paroquial de São Julião de Azurara (ALVES, 1959, p. 29).
A igreja que hoje observamos, bem como a torre e as casas anexas, remontam à segunda década de Setecentos, mais precisamente a 1721, ano que em foi lançada a primeira pedra do templo. As dificuldades financeiras com que a Misericórdia se debatia foram sendo colmatadas quer pela generosidade do Rei D. João V, que sempre aceitou os pedidos da Irmandade, quer pelo então Reitor, Simão Paes de Amaral, fidalgo d-El Rei, Provedor da Misericórdia, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e capitão-mor do concelho, que deu grande impulso a estas obras, doando os terrenos e contribuindo, ainda, financeiramente para a conclusão das mesmas (ALVES, 1959, pp. 29-42). O risco do edifício foi encomendado a Gaspar Ferreira, um artista coimbrão, arquitecto e entalhador (facto comum à época, uma vez que as estruturas arquitectónicas dos conjuntos retabulares eram bastante atractivas para os arquitectos), que trabalhou em Coimbra e noutras cidades do centro do país. Em Mangualde, e para além deste templo, desenhou também o recolhimento de Nossa Senhora da Conceição e as casas de José Rebelo Castelo Branco (PEREIRA, 1986, p. 27; PIMENTEL, 1989, p. 187).
A igreja, de planta rectangular, de nave única, com capela-mor mais estreita, apresenta fachada animada por um frontão constituído por duas volutas, com óculo central rematado por pináculos e cruz. O portal principal é recto, sobrepondo-se-lhe uma janela de sacada. Quatro janelas ladeiam o conjunto, o que divide o alçado em três grandes composições verticais. No alçado ocidental ergue-se uma varanda com colunata toscana, a que se acede por uma escadaria. Este elemento, erguido à frente da sacristia e da torre, recorda determinadas construções nobres dos séculos XVII e XVIII. Fruto da sua formação de autodidacta, Gaspar Ferreira optou, neste templo, por um "(...) esquema pautado ainda por padrões provincianos" (PIMENTEL, 1989, p. 187).
Se a igreja foi sagrada em 1724, a campanha decorativa do interior conheceu muito maiores dificuldades financeiras, prolongando-se, pelo menos até à segunda metade de Setecentos. Assim, o contrato celebrado entre o entalhador portuense Luís Pereira da Costa e a Irmandade, data apenas de 1729. De acordo com este documento, o artista foi responsável pela execução "(...) dos três retábulos com a respectiva tribuna, assim como o apainelado da capela-mor, o acréscimo do nicho do Santo Cristo da Casa do Despacho, a varanda e as sanefas das janelas da tribuna (...)" (ALVES, 1959, p. 36, citando documento que publica). Já as imagens de São Simão, São João Baptista, Santa Bárbara e São Bartolomeu foram esculpidas por Mestre Custódio de Sousa, também originário do Porto. A imagem de Nossa Senhora da Misericórdia foi executada em Braga.
A nave é coberta por tecto pintado em trompe l'oeil com a representação de Nossa Senhora da Assunção. Quanto às paredes, estas são revestidas por painéis de azulejos azuis e brancos, de fabrico coimbrão, com cercaduras arquitectónicas. Do lado do Evangelho observam-se cenas da Apanha do Maná, e do lado oposto as bodas de Canaã e São Martinho de Tours oferecendo a capa a um pobre. Sob o púlpito, emblemas clericais. Os painéis da capela-mor, de c. 1724, representam um jardim concluso e a Porta Coeli (SIMÕES, 1979, pp. 120-121). Reveste o tecto da capela-mor um conjunto de caixotões com telas representando passos da vida da Virgem.
(Rosário Carvalho)
(Info/imagem disponível em https://servicos.dgpc.gov.pt/pesquisapatrimonioimovel/detalhes.php?code=74600) |